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Entenda a queda do ministro Joaquim Levy em três pontos

Segundo especialistas, não chega a ser uma surpresa que 2015 acabe com a notícia da saída do ministro do governo

18 dez 2015 - 18h46
(atualizado às 19h56)
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Com aprofundamento da recessão, Levy passou a ser alvo de críticas tanto do PT quanto da oposição
Com aprofundamento da recessão, Levy passou a ser alvo de críticas tanto do PT quanto da oposição
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Há cerca de um ano o economista Joaquim Levy assumia o Ministério da Fazenda encarnando a esperança de que o Brasil conseguiria evitar uma tempestade em sua economia em 2015.

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Doze meses depois, a tempestade parece ter evoluído para um furacão tropical, com um desemprego crescente, uma inflação de cerca de 10% e o PIB registrando uma retração de 3,5% no ano, segundo previsões de analistas - o que, se confirmado, seria a pior recessão desde os anos 90.

Neste cenário, segundo especialistas, não chega a ser uma surpresa que 2015 acabe com a notícia da saída do ministro do governo - Levy será substituído pelo atual titular do Planejamento, Nelson Barbosa, segundo anúncio desta sexta-feira (18) do Palácio do Planalto.

Mas, afinal, como Levy passou de general do ajuste econômico e queridinho dos mercados a "vidraça" dos que criticam o ajuste pelos mais diversos motivos?

Três razões são apontadas por analistas para essa deterioração da situação de Levy no governo. Confira:

1. Derrotas internas

Dentro da equipe econômica, Levy sempre foi considerado o defensor de um ajuste mais duro, com cortes de gastos mais drásticos, enquanto Barbosa preferiria um enxugamento das contas um pouco mais brando, combinado com um aumento de impostos.

Isso fez do titular da Fazenda o preferido dos economistas ortodoxos e analistas do mercado financeiro. Mas nas quedas de braço dentro do governo, suas propostas parecem ter sido derrotadas em uma série de ocasiões.

A primeira delas foi em maio, quando a equipe econômica anunciou um contingenciamento de gastos de R$ 69,9 bilhões. Segundo informações divulgadas pela imprensa, Levy defendia que fossem cortados R$ 80 bilhões.

Em julho, foi anunciada uma redução do superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida) de 1,1% para 0,15% do PIB, o que teria sido considerado um corte muito drástico pelo ministro.

Mais recentemente, o governo enviou ao Congresso uma proposta para reduzir a meta de superávit para 2016 de 0,7% para 0,5% do PIB.

Levy manifestou seu descontentamento e criticou o argumento de que a meta deveria ser mudada para que se pudesse preservar o programa Bolsa Família. "Eu acho inconveniente", disse o ministro, ao ser questionado obre a alteração na meta. "Acho um equívoco achar que a meta (fiscal de 2016) por causa do Bolsa Família não fica de pé. A meta é a meta, e o Bolsa Família é o Bolsa Família."

"Não acho que Levy seja um herói injustiçado nem um derrotado", opina o economista heterodoxo Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

"Personalizar qualquer avaliação sobre o ajuste fiscal é contraproducente, porque o ajuste é, afinal, um projeto do governo. Ele aparentemente teve alguns desentendimentos com relação às propostas que defendia e por isso resolveu sair."

2. Dificuldades no ajuste

Levy assumiu a Fazenda com a "missão" de evitar a perda do grau de investimento - selo de bom pagador do país, dado por agências de classificação de risco -, como lembra Antonio Carlos Alves dos Santos, economista da PUC-SP. "Por isso, o rebaixamento do país pelas agências Standard & Poor's e Fitch acabou enfraquecendo o ministro", opina Santos.

André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, concorda: "Em última instância ele chegou com uma missão que não foi cumprida, apesar de estar muito longe de ser o único culpado", diz.

Em função da crise política e falta de articulação do governo com o Congresso, medidas importantes ao ajuste empacaram. A medida provisória 694, que reduz incentivos fiscais e poderia fazer o governo economizar R$ 10 bilhões, por exemplo, não foi aprovada.

"Essa é minha maior fonte de preocupação, porque infelizmente o governo não conseguiu reunir condições de passar medidas que eu reputo essenciais", disse Levy em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Na contramão desse esforço de enxugamento do orçamento, a Câmara dos Deputados também votou uma série de medidas que expandiam os gastos públicos - o que ficou conhecido como "pauta-bomba".

Além disso, o aprofundamento da recessão acabou reduzindo a arrecadação do governo, fazendo com que as sucessivas metas de superavit primário prometidas por Levy tivessem de ser revistas.

"Há limites para o que um ministro da Fazenda pode fazer se o governo não consegue a cooperação do Congresso", diz Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências. "Talvez Levy tenha sido a pessoa certa na hora errada", opina.

Para economistas ortodoxos e analistas do mercado, o ajuste não foi eficiente porque não foi suficientemente duro ou evitou mexer no vespeiro dos gastos obrigatórios que amarram o orçamento público.

"Um ajuste fiscal ideal precisaria ser de médio e longo prazo e lidar com questões estruturais - e, para isso, seria necessário o engajamento do Congresso. Sobrou para Levy fazer o ajuste possível, de curto prazo. E o resultado só pode ser queda no consumo e nos investimentos", avalia Perfeito.

Já para economistas heterodoxos, como Belluzzo, a estratégia do ajuste estava, desde o início, fadada ao fracasso em função de seus efeitos recessivos - e foram os cortes de gastos e, principalmente, o aperto da política monetária (alta dos juros) que aprofundaram a recessão.

3. Fogo amigo - e inimigo

Como responsável por promover o ajuste fiscal, Levy chegou ao Ministério da Fazenda apoiado pelo mercado financeiro.

Além disso, por muito tempo ele foi poupado de críticas mais contundentes pela oposição - que havia defendido um corte dos gastos públicos durante a campanha presidencial de 2014.

E embora a decisão de fazer o ajuste tenha sido vista com suspeitas por parte do PT e movimentos sociais ligados ao partido, os ataques da esquerda ao ministro no início foram relativamente tímidos.

Conforme a recessão se aprofundou - e derrubou a popularidade da presidente Dilma Rousseff para apenas um dígito -, a oposição passou a votar contra medidas do ajuste como uma forma de minar o governo, e se intensificou a artilharia do PT contra o ministro.

O presidente do PT, Rui Falcão, chegou a defender que Levy não deveria permanecer no governo “se não quisesse mudar a política econômica”. Dilma saiu em defesa do ministro, reiterando seu apoio à permanência dele no cargo. Mas pouco a pouco sua posição foi se desgastando.

"O enfraquecimento político da presidente expôs o ajuste a críticas de sua própria base aliada", diz Rafael Cortez, da Tendências.

Mais recentemente, até o mercado financeiro começou a jogar contra o ministro. Em novembro, rumores de que Levy seria substituído pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles fizeram a bolsa subir e o dólar cair.

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