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Brics: quatro conquistas e um fracasso do grupo emergente

Chefes de Estado se reúnem a partir desta quarta-feira; saiba o que a cooperação, que teve início em 2009, já produziu de concreto

7 jul 2015 - 05h20
(atualizado às 13h28)
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Os líderes dos Brics (da esq): Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Dilma Rousseff, Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul)
Os líderes dos Brics (da esq): Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Dilma Rousseff, Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul)
Foto: Getty Images

O sétimo encontro de líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que tem início nesta quarta-feira na cidade russa de Ufa, ocorre em um momento econômico particularmente difícil para parte do clube dos emergentes.

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Rússia e Brasil devem ter recessão este ano. A China está desaquecendo e a economia sul-africana deve crescer cerca de 2%. Dos cinco Brics, o único que ainda empolga investidores é a Índia, com um crescimento esperado de quase 8% para 2015.

Até o criador do termo Bric, o ex-economista-chefe do Goldman Sachs Jim O'Neill, disse recentemente que se sentiria tentado a reduzi-lo para "IC" - iniciais de Índia e China - se os outros países não retomarem sua trajetória de crescimento até o fim da década.

Chama atenção, porém, que mesmo nesse cenário econômico desanimador parece haver menos ceticismo sobre a solidez do grupo do que há alguns anos, segundo analistas consultados pela BBC Brasil.

"Os Brics parecem ter conseguido, em um espaço curto de tempo, criar uma dinâmica para assegurar sua existência mesmo em um ciclo econômico desfavorável", opina Oliver Stuenkel, especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas.

"De um lado, temos a institucionalização do grupo com a criação do banco dos Brics e de uma reserva emergencial para ajudar países em apuros financeiros. Do outro, há um fortalecimento dos canais de diálogo entre os líderes dessas nações emergentes, além de uma maior cooperação em áreas técnicas, científicas, acadêmicas e até culturais."

Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia, concorda: "Basta comparar os Brics com o G7 (Grupo dos 7 países mais industrializados e desenvolvidos do mundo), por exemplo. O que foi que eles fizeram em termos de construção institucional? Nada. Até hoje se encontram apenas para trocar opiniões".

Agenda comum

O acrônimo Bric (que em um primeiro momento não incluía o "s", de África do Sul) foi criado por O'Neill como instrumento de análise financeira em 2001. Originalmente, se referia às nações emergentes que, em 2040, teriam o mesmo peso econômico dos países desenvolvidos.

Por volta de 2007, autoridades desses países perceberam a possibilidade de explorar politicamente a ideia de que suas nações teriam uma "agenda" comum.

Como resultado, a primeira reunião de cúpula dos Brics ocorreu em 2009, na Rússia, tendo como bandeira a luta pela reforma do sistema político e econômico internacional.

A África do Sul foi "incorporada" ao grupo em 2010.

É verdade que sempre houve questionamentos sobre o potencial de cooperação dos Brics em função de suas diferenças políticas e econômicas, de valores e interesses.

Mas apesar dessas diferenças, analistas consultados pela BBC apontam quatro avanços que teriam marcado esses sete primeiros anos dos Brics, juntamente com os problemas econômicos de alguns de seus integrantes - considerados por eles seu grande "fracasso". Confira:

Avanços

1) Banco dos Brics

Os Brics já assinaram um acordo para a criação de um banco que financiará obras de infraestrutura em países pobres e em desenvolvimento, embora o projeto ainda precise ser ratificado pelo Legislativo de alguns países.

O chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, terá sede em Xangai, na China, e um capital inicial de US$ 50 bilhões, dividido igualmente entre os Brics.

Do ponto de vista financeiro, o banco é interessante porque pode receber uma classificação de risco melhor que as economias do grupo, captando recursos no mercado a um custo mais baixo.

Mas analistas também veem sua criação como parte de uma ação política que teria como objetivo criar alternativas à hegemonia americana e europeia no sistema financeiro internacional.

Espera-se que, em Ufa, sejam anunciados detalhes sobre quem fará parte da cúpula do novo banco e quais suas regras de funcionamento.

"Ainda sabemos pouco sobre como esse banco deve atuar. Ele poderá financiar uma empresa brasileira e uma chinesa em uma obra na Namíbia, por exemplo? Quem poderá pegar empréstimos e em que condições? Como ele se relacionará com outros bancos da Ásia, bancos de desenvolvimento nacionais e o Banco Mundial? Tudo isso ainda precisa ser esclarecido", diz Troyjo.

2) Arranjo de Contingente de Reservas (ACR)

Além da abertura do banco, os líderes também já acertaram a criação de uma espécie de fundo para socorrer membros dos Brics que tenham graves desequilíbrios em suas balanças de pagamentos ou estejam à beira de um calote.

O esquema, batizado de Arranjo de Contingente de Reservas (ACR), contará com um total de US$ 100 bilhões para essas operações de resgate financeiro.

A China se comprometeu com US$ 41 bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com U$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, com US$ 5 bilhões.

"Trata-se de uma espécie de Fundo Monetário Internacional (FMI) dos emergentes, que não impõe tantas condicionalidades para a liberação dos recursos", diz Troyjo.

"Pode ser um instrumento importante principalmente para dissipar especulações com relação ao impacto negativo de crises financeiras internacionais nos Brics".

3) Abertura de canais de diálogo

Segundo Stuenkel, os líderes do Brics também perceberam ao longo desses sete anos que podem conseguir "benefícios mútuos" com uma maior coordenação e a abertura de mais canais de diálogos.

"A Rússia, por exemplo, procurou o apoio do grupo quando tentava evitar o isolamento internacional em meio a crise na Ucrânia", diz ele.

"Além disso, é claro que dificilmente alguém do Itamaraty vai admitir isso, mas um presidente brasileiro provavelmente não teria tantas oportunidades para se encontrar e falar com um líder chinês não fossem esses encontros de emergentes."

Marcus Vinicius de Freitas professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) concorda:

"Esses países perceberam que têm interesses comuns principalmente no que diz respeito às mudanças do sistema financeiro internacional - e que há muito espaço para uma coordenação nessa área."

"Independentemente da capacidade financeira e impacto econômico do banco dos Brics, por exemplo, sua simples existência já institucionaliza um canal de diálogo constante entre esses cinco países e suas instituições financeiras, algo que não existiria não fosse esse projeto dos Brics", diz.

4) Cooperação em áreas diversas

Além do banco e do ACR, integrantes do bloco também têm feito avanços na cooperação em outras áreas, como educação, políticas de inovação, turismo e desenvolvimento de infraestrutura, como enfatiza Paulo Wrobel, pesquisador do BRICS Policy Center, centro de pesquisas ligado à PUC do Rio de Janeiro.

Em março por exemplo, ministros dos cinco países se reuniram em Brasília para assinar um memorando de entendimento para facilitar a cooperação nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.

Em fevereiro, os cinco ministros de educação se encontraram para discutir a criação de uma rede universitária dos Brics, a cooperação na área de educação técnica e profissional e a elaboração de metodologias de avaliação do ensino.

Na área de comércio, um dos projetos sobre a mesa é o uso de moedas locais para as operações de exportação e importação entre países dos Brics.

Segundo os analistas consultados pela BBC, porém, o avanço dessa proposta dependeria da iniciativa da China, que mantém uma relação comercial expressiva com os demais países do grupo.

"Os encontros dos BRICS também criaram oportunidades para a reunião de empresários e acadêmicos, e até ONGs se mobilizaram, de modo que a sociedade civil acabou incluída nessa agenda de cooperação", diz Wrobel.

Fracasso:

1. Crescimento econômico

Ainda que a falta de crescimento em alguns países não pareça atrapalhar a institucionalização e consolidação dos Brics no curto prazo há certo consenso entre especialistas de que, no longo prazo, poderia ampliar desequilíbrios que ajudam a minar a base de coesão do grupo.

Wrobel, do Brics Policy Center, lembra que o PIB da China já é maior que o de todas as outras economias do Brics juntas.

E com as economias da Rússia e do Brasil se enfraquecendo, segundo ele, não é difícil imaginar que esse país possa acabar tendo uma presença dominante no grupo, transformando o Brics em um "C+4".

"É péssimo para os Brics que o Brasil e a Rússia não cresçam", concorda Troyjo.

O especialista do BRICLab opina que, apesar de o avanço da construção institucional do grupo ser uma boa notícia, "se todos estivessem crescendo de maneira vigorosa haveria um benefício também para esse processo".

"Também é fácil imaginar que, diante da necessidade de promover um ajuste fiscal o Brasil possa ter dificuldades em financiar os mecanismos que lhe garantiriam uma 'voz ampliada' na agenda global", diz Troyjo.

"Ou seja, não adianta o país pleitear um lugar privilegiado nas organizações internacionais com a ajuda dos Brics se não tem condições de arcar com os custos financeiros que essa mudança exige."

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