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América Latina na berlinda? Em meio a crise, líderes se reúnem para buscar 'voz comum'

25 jan 2016 - 16h52
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Presidentes e primeiros-ministros de toda a América Latina e Caribe tomarão seus aviões nesta semana rumo a Quito, capital do Equador, para a quarta cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), cujos temas oficiais serão a integração regional, o combate à pobreza e a redução das desigualdades na região.

Até a noite de domingo, estava confirmada a presença das 33 delegações dos países-membros da Celac e de 22 presidentes e premiês, segundo o governo do Equador. A presidente brasileira, Dilma Rousseff, tinha sua chegada prevista para a terça-feira, quando terá uma reunião com o equatoriano Rafael Correa.

Algumas autoridades – entre elas o novo presidente argentino, Maurício Macri - alegaram questões médicas para não viajar à capital equatoriana, que fica a 2.850 metros de altitude, encravada na Cordilheira dos Andes.

O encontro de chefes de Estado e de Governo ocorrerá na quarta-feira. Analistas ouvidos pela BBC Brasil, porém, se dividem sobre o peso desse megaencontro latino-americano.

Para alguns, a Celac é um esforço importante para se cooperar na busca de soluções de problemas comuns. Para outros, trata-se apenas um evento para“cumprir tabela” na agenda regional, como define o especialista em Relações Internacionais José Augusto Guilhon de Albuquerque, professor aposentado da USP, que ressalta a dificuldade de se chegar a consensos em encontros como esse.

"Acho que a Celac está se tornando tão vazia e irrelevante quanto a OEA (Organização dos Estados Americanos) foi em boa parte de sua história", diz.

Entre os menos céticos está Luis Fernando Ayerbe, especialista em América Latina da Unesp.

"De fato acho difícil que se chegue a uma posição comum sobre a crise política na Venezuela, por exemplo. E transformar essa numa organização mais econômica, como propõem alguns, não seria uma tarefa simples. Mas esse é um fórum em que se pode discutir as mais diversas questões relevantes para a região – e em alguns temas pode haver comunhão de interesses", diz ele.

"A Colômbia por exemplo já pediu que integrantes da Celac, junto com a ONU, supervisionem o cessar-fogo do processo de paz com a guerrilha - o que interessa a toda região", exemplifica.

O subsecretário-geral do Itamaraty para a América do Sul, Paulo Estivallet, tem uma argumentação na mesma linha. "A Celac não tem vocação para ter uma agenda que cubra todos os temas”, disse, em entrevista coletiva. “Mas em muitos deles há grande coincidência, como na questão do desenvolvimento. E em como lidar com a desigualdade."

Falando sobre o pedido da Colômbia, ele diz que o Brasil já se dispôs a ajudar: “Haverá a necessidade de verificação de desarmamento, o que requer tropas ou policiais em condições de fazer isso.”

Dificuldades econômicas

Para analista, Celac está se tornando tão 'vazia e irrelevante quando a OEA'
Para analista, Celac está se tornando tão 'vazia e irrelevante quando a OEA'
Foto: Getty / BBC News Brasil

Neste ano, a cúpula da Celac ocorre em um momento econômico particularmente delicado para a América Latina e em meio a incertezas políticas que podem criar obstáculos para a cooperação sobre alguns temas.

Em 2011, quando a Celac foi criada, a região era uma das que mais crescia no mundo.

A entidade, que não inclui EUA nem Canadá, foi concebida como uma espécie de contraponto à Organização dos Estados Americanos, acusada por governos de esquerda de servir a interesses americanos.

Seus objetivos, oficialmente, eram promover a coordenação e cooperação política. Também projetar globalmente a voz e interesses de uma região que, em parte em função de seu vigor econômico, na época parecia destinada a ampliar sua relevância no cenário internacional.

Hoje, no campo econômico, a região sofre com o desaquecimento da China, a queda das commodities e – em alguns casos – a queda dos preços do petróleo.

"Estamos na passagem de um ciclo. Durante muito tempo as nossas economias – não só as da América do Sul mas também de países desenvolvidos como EUA e Canadá – tiveram suas exportações muito voltadas para a Ásia e direcionadas em função da demanda por commodities”, disse Estivallet, ao falar sobre a Celac.

"Esse ciclo aparentemente acabou, o que é um desafio para os países sul-americanos, mas isso também gera oportunidades e a percepção clara de que é preciso encontrar outras fontes de crescimento econômico e dinamismo para o comércio."

Para este ano, o FMI projeta uma queda de 0,3% no PIB regional, puxada pela recessão brasileira (o PIB do país deve se contrair 3,5%, na estimativa do Fundo).

E em parte em função dessas dificuldades há algum tempo há quem defenda uma ampliação da pauta da Celac. No ano passado, a própria Dilma propôs uma extensão das atribuições do grupo para incluir ações de comércio e integração econômica.

"Os países da Celac devem se unir para enfrentar os problemas da economia mundial e retomar o crescimento robusto", disse a presidente. "Torna-se urgente nossa cooperação, priorizando o comércio intrarregional e ao mesmo tempo estimulando o desenvolvimento e a integração de nossas cadeias produtivas."

Nessa linha, em 2015, chanceleres dos países da Celac participaram pela primeira vez de um fórum com a China, em Pequim, com o objetivo de atrair mais investimentos chineses para a região e definir diretrizes para as relações com o gigante asiático. Também foi realizada a primeira reunião com a União Europeia, em junho, na qual foram debatidas oportunidades de negócios.

Venezuela

No aspecto político, as grandes preocupações regionais são a instabilidade no Brasil e Venezuela. E a questão venezuelana em especial já é fonte de conflitos.

Alguns membros da Celac defendem a não-interferência. Outros, que o tema seja abordado de forma sutil, para que os países e fóruns regionais não percam o papel de mediadores junto ao governo e a oposição venezuelana. Já um terceiro grupo, liderado por Macri, defende uma pressão forte e direta sobre Caracas.

"Não está prevista uma discussão sobre a situação venezuelana na Celac, mas é sempre possível que em um encontro presidencial o tema seja suscitado", diz Estivallet.

Ayerbe lembra que, na última reunião do Mercosul no Paraguai, o presidente argentino exigiu que o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro liberte opositores presos, batendo de frente com a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez. Em resposta, Rodríguez acusou o argentino de "ingerência política".

"Macri levantou a questão de forma bem contundente e o governo argentino parece disposto a manter essa posição, o que indica que o tema pode gerar divisões e conflitos nesse tipo de fórum", diz Ayerbe.

Como o mandatário argentino cancelou sua participação em Quito – ele será representado pela vice-presidente Gabriela Michetti -, evitou-se um confronto direto.

O próprio Maduro, ao confirmar sua ida à Celac, disse que sua ideia era ir "com tudo" contra o governo argentino e seus colegas "de direita" na região.

"Ou nos respeitamos ou se acabam as regras do jogo nesta batalha por uma nova América", ameaçou.

Pouco depois, foi anunciado que o médico de Macri havia lhe recomendado não viajar porque recentemente ele teve uma fratura em um acidente doméstico, enquanto brincava com a filha, o que lhe "impediria de realizar esforços respiratórios".

Para Guilhon de Albuquerque, a questão é que a vitória de Macri na Argentina mudou a dinâmica na Celac ao enfraquecer o eixo Buenos Aires–Caracas.

"Politicamente, a diferença desse encontro é que o eixo bolivariano deixou de prevalecer, sua coalizão está mais enfraquecida. E isso também faz com que as divisões no grupo tendam a se acirrar", opina.

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