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Rio 2016: o que vai acontecer com os milhares de operários?

18 jan 2016 - 09h57
(atualizado às 10h14)
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Muitos dos operários nas obras olímpicas vieram de outros Estados e podem se ver em condições muito vulneráveis sem dinheiro e com poucas chances de encontrar outro emprego no Rio
Muitos dos operários nas obras olímpicas vieram de outros Estados e podem se ver em condições muito vulneráveis sem dinheiro e com poucas chances de encontrar outro emprego no Rio
Foto: Getty Images

A 200 dias dos Jogos Olímpicos, na reta final dos preparativos para o megaevento e do fim das grandes obras, cresce a preocupação com o futuro dos milhares de operários que vieram à cidade para trabalhar na construção dos locais de competição, projetos de infraestrutura e mobilidade.

Em entrevista à BBC Brasil, o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro (MPT-RJ), Fábio Goulart Villela, diz que o contexto é desfavorável ao trabalhador.

"Nós já estamos vivenciando um período de crise econômica, incertezas, casos de má gestão, e muitas dessas empreiteiras vivem reflexos da Lava Jato. É provável que tenhamos uma série de disputas e negociações", diz o procurador, citando casos como o da semana passada, quando 300 trabalhadores demitidos de uma das construtoras do Parque Olímpico fizeram protestos por não terem recebido salários nem o pagamento das rescisões contratuais.

"A tendência infelizmente é piorar, e é claro que vai estourar sempre na base, no trabalhador", afirma Villela, ao ressaltar que muitos desses operários vieram de outros Estados e podem se ver em condições muito vulneráveis sem dinheiro e com poucas chances de encontrar outro emprego no Rio.

Outra questão no radar do MPT são as greves de setores como controladores de tráfego aéreo, policiais federais, motoristas de ônibus, garis, que a exemplo do que aconteceu nos meses anteriores à Copa do Mundo, em 2014, podem fazer paralisações para aumentar o poder de barganha em negociações de reajuste salarial.

Veja os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - A 200 dias para a Olimpíada já estamos vendo protestos, construtoras em dificuldades financeiras, salários atrasados e o não recebimento de rescisões. Estimativas do setor apontam para a demissão nos próximos meses de até 35 mil operários da construção civil envolvidos com as obras dos Jogos, e muitos vieram de longe. O que mais preocupa o Ministério Público do Trabalho nesta reta final?

Fábio Goulart Villela - Sempre que há esses grandes eventos há motivo de preocupação, e é uma preocupação natural, porque temos muita movimentação, grandes obras são feitas, e há possibilidade de colocar em risco a vida dos trabalhadores, além da questão de desrespeito aos direitos trabalhistas.

O movimento migratório de trabalhadores é normal, eles vão aonde está o emprego, é compreensível. Mas essas obras de grandes eventos terminam, e se eles recebessem seus direitos, teriam o livre arbítrio de buscar alguma coisa por aqui ou voltar para seus locais de origem. O problema é que muitas vezes isso não ocorre.

O trabalho termina, eles não recebem as verbas, e aí sim, dentro do estado de vulnerabilidade social que eles se encontram, ficam à margem da sociedade. Há situações em que ficam sem ter onde morar, passando fome e sem o recurso para voltar para casa. Nesses casos, atuamos para que haja ao menos as homologações das demissões com ressalvas, para que eles recebam o FGTS e deem entrada no seguro-desemprego.

A preocupação é grande com o momento de crise econômica acentuada, impactos da Operação Lava Jato e prognósticos ruins para que eles encontrem outro trabalho no Estado do RJ. Muitas empresas alegam ter sido impactadas pela crise e dizem não ter dinheiro, porque a tomadora da obra não está pagando. E tudo isso sempre vai arrebentar no trabalhador, na base.

Em setembro passado, 11 trabalhadores foram encontrados pelo MPT-RJ em condições análogas à escravidão nas obras da Vila dos Atletas, na Barra da Tijuca
Em setembro passado, 11 trabalhadores foram encontrados pelo MPT-RJ em condições análogas à escravidão nas obras da Vila dos Atletas, na Barra da Tijuca
Foto: Antonio Lacerda / EFE

Nesta terça-feira, vamos criar um Grupo de Trabalho entre o MPT-RJ, Ministério do Trabalho e Emprego, Justiça do Trabalho, Comitê Rio 2016, Estado e Prefeitura do RJ, e centrais sindicais, como uma forma de se preparar para enfrentar este cenário dos próximos meses e criar um espaço para acelerar negociações de greves e conflitos em torno das obras olímpicas.

BBC Brasil: Considerando que várias das empreiteiras envolvidas com as obras olímpicas estão implicadas na Lava Jato, como o senhor avalia os reflexos da operação neste desfecho das obras?

Fábio Goulart Villela: É claro que a Lava Jato traz reflexos. A Petrobras, por exemplo, é tomadora de inúmeras empresas (a empresa tomadora não contrata o trabalhador temporário diretamente, mas sim a mão de obra de uma outra empresa), e a partir do momento em que ela está vivenciando uma grave crise de corrupção, a tendência é rever todos os contratos, parar de pagar, e aí falta dinheiro, afeta toda a cadeia, e isso nos preocupa, pois estamos falando de milhares que serão demitidos.

Elas alegam não poderem pagar verbas trabalhistas por estarem sem recursos. Eu me pergunto, será que acabou o dinheiro delas mesmo? A gente não sabe onde está esse dinheiro. Está com quem? Em paraísos fiscais? Elas não têm capital de giro? É claro que é melhor não pagar, esperar voltar a receber e aí sim repassar o recurso.

O que nos preocupa é que no caso de um processo judicial, quando não há acordo, pode ser difícil apontar os responsáveis solidários pela obra, na busca pelo dinheiro.

Se a empresa não tem bens e se você não tiver um tomador para buscar uma responsabilidade solidária, uma Petrobras, município do Rio, Estado do Rio, por exemplo, que nesse momento aliás também está em condições bem complicadas, você tem um cenário complexo.

BBC Brasil: Tanto nas obras da Copa do Mundo quanto dos Jogos Olímpicos houve problemas de não pagamento de horas extras, alojamentos insalubres, não recebimento de rescisões. O senhor diria que no Brasil é inevitável que isso ocorra? Falta fiscalização? Há questões éticas das empresas?

Fábio Goulart Villela: Eu não diria que o desrespeito às leis trabalhistas é algo inevitável, até porque a lei está aí para ser cumprida. O que acontece é que existem, sim, fraudes, apesar de que nem todo empregador é mau empregador. Há o empregador que está enfrentando sérias dificuldades, e aí se vê na impossibilidade de arcar e nós temos que achar a melhor maneira possível para que se solucione aquilo, para que a empresa, enquanto geradora de empregos, continue atuando e os trabalhadores recebam seus direitos.

Mas existe aquele mau empregador, que quer se valer das fraudes para aumentar a margem de lucro. É o chamado "dumping social", usando o termo que vem do comércio internacional, quando se viola a livre concorrência de forma a obter vantagens ilegais.

Se eu tenho duas empresas, uma que paga os impostos de todos os seus empregados, paga todos os seus direitos, e outra que não registra seus empregados, ou frauda questões trabalhistas, o custo da segunda é bem menor e ela ganha no preço e na competitividade, ganha mercado.

Não digo que seja inevitável. Eu acho que há muitas questões envolvidas. Econômicas, sociais, políticas, a até conjunturais, nesta situação de crise. Há questões morais também, claro, e é importante que haja uma mudança de mentalidade do empregador.

BBC Brasil: Em agosto do ano passado 11 trabalhadores foram resgatados das obras de construção da Vila dos Atletas em condições análogas à escravidão. O caso repercutiu dentro e fora do Brasil. Como o senhor avalia esta situação? Falta fiscalização?

Vilella: 'A iminência de um grande evento é um momento, sim, para certas categorias terem visibilidade' (foto BBC Brasil)
Vilella: 'A iminência de um grande evento é um momento, sim, para certas categorias terem visibilidade' (foto BBC Brasil)
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Fábio Goulart Villela: Realmente ficou muito ruim para a imagem do Brasil. Nenhum país quer ver sua imagem atrelada à exploração de trabalho em condições análogas à escravidão, sem dúvida alguma. Mas é preciso dizer que isto ocorre em vários países, não é exclusividade do Brasil. Mas ao menos mostrou que as autoridades estão atuando.

O ideal é que não houvesse nada disso, mas como é um grande evento e há muitas obras, às vezes é difícil a fiscalização de tudo. Mesmo assim, ninguém pode alegar o desconhecimento. Toda empresa tem que saber o que está acontecendo lá no seu canteiro de obras, na base. É inadmissível alegar que desconhecia, porque pela lei brasileira o empregador é responsável por tudo que está acontecendo dentro de sua empresa. Não se pode fingir que não sabia.

BBC Brasil: Há risco de termos greves de setores cruciais como controladores de tráfego aéreo, policiais federais, motoristas de ônibus e garis nos próximos meses ou às vésperas dos Jogos, a exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo?

Fábio Goulart Villela: A iminência de um grande evento é um momento, sim, para certas categorias terem visibilidade. Tudo isso nos deixa mais atentos, e os órgãos atuantes na esfera trabalhista precisam atuar de forma articulada e atendendo às expectativas de trabalhadores, sindicatos, empresas e dos interesses da sociedade.

Claro se eu fosse trabalhador, e eu quisesse chamar a atenção de todos para a minha causa, qual seria a melhor maneira? Um momento de grande visibilidade. Os garis pararam no Carnaval do Rio no ano passado, isso dá visibilidade. Todos exigem que se resolva a questão o mais rápido possível. Nós já conhecemos esse cenário.

Seria inconsequente eu falar em categorias específicas, mas estamos falando de segmentos que são já essenciais dentro de um contexto "normal", então imagina nesses períodos. Este é um dos focos do Grupo de Trabalho que criaremos nesta terça-feira, não para reprimir o direito de greve, mas para criar um espaço onde essas questões sejam negociadas e resolvidas da forma mais eficiente e rápida possível.

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